segunda-feira, 2 de março de 2009

A CABEÇA QUE CANTA EM TOWER HILL

MARCELO NOVAES




Há uma cabeça enterrada na colina
azul, que canta e bebe as águas da
tarde. Ela canta na colina da torre
cinza, no alto da qual pousam
andorinhas.










A cabeça enterrada em Tower Hill,
- na colina da torre, na torre da colina -
é a medida da desafinação de quem por
ali passa. A cabeça enterrada na colina
da torre cinza, bebe as águas da tarde
- cristalinas, vítreas -, e canta por amor
e ódio à vida. Pois foi decapitada.










A cabeça enterrada, que bebe as águas
da tarde, convoca um exército de cinco
mil soldados, para lhe fazer Justiça.
Antes que o sol se despeça.









E enquanto canta e convoca os cinco
mil, a cabeça enterrada na colina – longe,
bem longe da estrada – não desafina, e
reconta a história dos povoados em
torno, desde a pedra lascada.










A cabeça enterrada, antes da chegada da
noite, avança em sua empreitada, até a
chegada dos homens rudes pelo Canal
da Mancha. Com seus potes rústicos.
De cerâmica.










A cabeça enterrada, enquanto espera os
cinco mil soldados – com elmos, escudos
e lanças afiadas –, continua a sua saga,
descrevendo as peças funerárias,
decoradas, encontradas em
sepulturas, nas Ilhas
Bálticas.










A cabeça enterrada, que canta e aos céus
agrada – clamando por Justiça Santa, a
vingança abençoada desde a Antiga Aliança - ,
nomeia as portas de entrada para as câmaras
mortuárias de antigos reis e príncipes da Líbia,
Ibéria, Bretanha.










A cabeça que canta também tem memória.
E essa não é sua maior façanha. Ela se lembra
de um comércio intenso entre Romênia e Ucrânia,
pela área do Mar Negro. E faz o balanço das dívidas
e ganhos. A cabeça que canta também conta. Conta
que os dias os anos o Tempo, enfim, não passam de
uma Grande Roda de Prata. Trata-se, sem dúvida,
de uma cabeça celta na colina da torre enterrada.











Em Tower Hill, canta a cabeça, esperando
por uma justiça a ser feita, por engenho e obra
dos cinco mil soldados convocados por suas
invectivas contra os que a decapitaram. E ela
não perde tempo, e narra como a Idade do
Ferro entrou nas terras do Reno. E como
se desfizeram os reinos – como tapetes
desfeitos por fios puxados nos maus
remendos -, ao longo dos séculos.










A cabeça, liberta do corpo, não só clama
por Justiça – ágil e sanguinolenta -, como
ganha perspectiva. Por estar solta do tronco.










Os cinco mil estão chegando, tal e qual a invasão
belga à Irlanda. Olham, e da cabeça se apiedam.
Trazem colares com contas, azuis e brancas.
Olham bem para a cabeça. Não querem que
ela invoque o deus guerreiro, o Ímpio Deus
de Hebron. Mas a Mãe e o Filho.







Arrancam-lhe os olhos.
Tiram-lhe as presas.











Em Tower Hill, canta - um
canto manso e longo -, uma
cabeça cega...

Nenhum comentário:

Postar um comentário